Trabalho, propósito e branding

Nos primórdios de nossas vidas, lá nos tempos das cavernas, nosso propósito básico era a sobrevivência. Todos os grupos humanos sabiam que precisavam unir-se para serem mais capazes de se defender, caçar e sustentar o seu próprio grupo social. Depois aprendemos que podíamos viver em cidades e as profissões ou a religião pareciam dar o propósito à vida de cada comunidade: os sapateiros faziam sapatos, os agricultores cultivavam o alimento, os caçadores caçavam. Então historicamente começamos a nos distanciar de um propósito visível, palpável e tangível para outros nem sempre perceptíveis.

O agricultor subordinado ao senhor feudal cultivava para pagar as dívidas e ter onde fixar sua família. O clérigo acumulava riquezas e alguns tentavam salvar algumas almas do purgatório. Alguns nobres tinham como propósito fomentar as artes, a música e a literatura, outros gozar a vida em abundância em detrimento ao povo faminto que, num dado momento, se mobilizou e exigiu mudanças.

Os grandes navegadores tinham o propósito de expandir o mundo conhecido e, se possível, acumular quantas riquezas pudessem, a custos de civilizações inteiras. Os grandes industriais tinham o propósito de levar a modernidade a todos os cantos do mundo, expandindo a produção fabril a limites nunca dantes imaginados, enquanto os operários tinham como propósito não morrer de fome e ter um emprego, já que foram expulsos do campo e atraídos por promessas de uma nova vida, baseada no salário e no consumo.

As tecnologias da informação e da comunicação surgiram com o propósito de proteger a informação através de uma vasta rede de dados dispersos em lugares que nem sabemos exatamente onde ficam. Depois evoluiu com o propósito de facilitar nossa vida e nos conectar mundialmente.

Hoje, alguns de nós podem ter um propósito de vida bem claro e definido mas, com certeza, a imensa maioria não faz idéia do que tem feito por aqui. Nos distanciamos do que podemos chamar de propósito aplicado ao nosso trabalho, onde passamos a maior parte de nossas vidas adultas. Para que trabalhamos? Qual a pequena contribuição do nosso eu-profissional para este mundo de corporações imensas que monopolizam enormes grupos de produtos, serviços e marcas?

A comunicação das organizações deve ser cada vez mais transparente, dialógica e traduzir o propósito destas em suas áreas de atuação. OK. Mas, quem somos nós nesta imensidão e qual o nosso papel?

Pesquisas sobre motivação dos colaboradores indicam que a maioria não se sente engajado nas organizações em que atua. Os consumidores não são capazes de identificar claramente o propósito das empresas cujas marcas consomem. Sustentabilidade é a palavra chave mas não sabemos bem o que isto significa, exceto um discurso “antenado” porém, muitas vezes, efetivamente carente de atividades concretas que fomentem um organização e um futuro sustentável para cada um de nós e para nosso planeta.

Muita gente, como observa Nathalie Trutmann[i] afirma querer mudar o mundo. Mas assim como as pessoas, muitas empresas com este propósito são falsas ou “fake”, para usar um tema tão na moda. Nathalie observa:

“Não precisamos colocar sobre os nossos ombros o peso de mudar o mundo nem de publicar constantemente nossas façanhas, mas sim achar nas nossas atividades e atitudes diárias, ações que tentem colaborar com o bem maior”

Nós e nossas organizações nos distanciamos de nossos propósitos, nos perdemos no labirinto de afazeres do dia a dia, da burocracia pública e organizacional, da demanda por inovações, competências, habilidades e tudo que parece exigir o mundo atua. Nos distanciamos de nossos propósitos.

Nós, organizações e marcas somos players de um grande ecossistema chamado Planeta Terra e, ao que tudo indica, ainda vamos demorar para conseguir sair voando daqui, então, enxergar nosso papel individual e corporativo é fundamental para que possamos viver “de verdade”, desenvolvendo nossas atividades profissionais como indivíduos ou exercendo as atividades corporativas como empresas e marcas de uma forma mais autêntica, real e colaborativa.

Enquanto não formos capazes de reencontrar o nosso propósito enquanto indivíduos, organizações ou marcas, baseados em ações concretas, transparentes e claras, vamos continuar nos sentindo perdidos, as marcas e organizações continuarão parecendo vazias e apenas interessadas apenas em lucratividade.

Novos tempos demandam novas perspectivas. Startups vêm surgindo e crescendo com propósitos mais tangíveis. Economia colaborativa, crowdfunding, capitalismo social, empreendedorismo são temáticas que tem em seu cerne um propósito aparentemente mais coeso. Airbnb, uber, Kan Academy, são iniciativas que mudam a forma de fazer negócios.

Sentir que temos um propósito, citando Trutmann novamente, que “fazemos a diferença e que nossa passagem por aqui tem algum significado (…) são uma necessidade básica de autorrealização que, ao não ser preenchida, fica incomodando e cutucando o indivíduo”.

E essa sensação de vazio não é “fake”.


[i] Trutmann, Nathalie. Quando as pessoas e empresas sabem colaborar com o mundo. Jornal Meio e Mensagem, 31 de agosto de 2015.

Imagem: Freepik livre de direitos

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